INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo surgiram várias Congregações, com o objetivo de facilitar o governo da Igreja, salvaguardando a observância das leis promulgadas, favorecendo iniciativas para alcançar os fins próprios da Igreja, resolvendo as controvérsias que possam ter surgido. A origem da Congregação para a Doutrina da Fé deve ser vista neste contexto.
A Congregação para a Doutrina da Fé é uma instituição de direito eclesiástico, ao serviço do Santo Padre, na sua missão universal, no que diz respeito à doutrina da fé e dos costumes. Tem a tarefa de fazer com que a profissão da reta fé seja o guia de toda a atividade da Igreja: liturgia, pregação, catequese, vida espiritual, doutrina social, etc.
A transmissão da fé cristã é confiada a toda a Igreja. Esta tarefa fundamental pertence, portanto, a todos os cristãos, mas de modo especial a promoção e a guarda da fé são asseguradas pelo Papa e pelos Bispos em comunhão com a Igreja de Roma. Assim, desde os primeiros séculos a preocupação em defender a ortodoxia esteve presente no cristianismo, em formas obviamente diversas conforme a evolução dos diversos contextos históricos.
Portanto, tendo o olhar voltado a esta importante missão, A Congregação para a Doutrina da Fé torna-se público o regimento interno de suas atividades sobre o ensino, a admoestação e o combate da Doutrina e Fé Apostólica, bem como as normas sobre os delitos reservados a mesma Congregação.
TÍTULO I – MISSÃO E FUNÇÃO
ART. 1
A missão da Congregação para a Doutrina da Fé é ajudar o Romano Pontífice e os Bispos no anúncio do Evangelho em todo o mundo, promovendo e tutelando a integridade da doutrina católica sobre a fé e a moral, como a recebe do depósito da fé e resulta de um entendimento cada vez mais profundo do mesmo face às novas questões.
ART. 2
Função própria da Congregação da Doutrina da Fé é promover e tutelar a doutrina sobre a fé e os costumes em todo o mundo católico: é, portanto, da sua competência tudo o que de qualquer modo se refira a essa matéria.
ART. 3
No cumprimento da sua função de promover a doutrina, ela favorece os estudos destinados a fazer aumentar o entendimento da fé e para que, aos novos problemas derivados do progresso das ciências ou da civilização, se possa dar resposta à luz da fé.
ART. 4
Ela serve de ajuda aos Bispos, quer individualmente quer reunidos nos seus organismos, no exercício da missão pela qual são constituídos como autênticos mestres e doutores da fé, e pela qual devem guardar e promover a integridade da mesma fé.
ART. 5
A fim de tutelar a verdade da fé e a integridade dos costumes, ela empenha-se incansavelmente por que a fé e os costumes não sofram dano, por causa de erros de qualquer modo divulgados.
ART. 6
§1. Tem o dever de
exigir que os livros e outros escritos, publicados pelos fiéis e que se referem
à fé e aos costumes, sejam submetidos ao prévio exame da Autoridade competente;
§2. Examina os escritos e as opiniões
que se mostram contrários à reta fé e perigosos, e, quando resultem opostos à
doutrina da Igreja, dada ao seu autor a possibilidade de explicar completamente
o seu pensamento, reprova-os tempestivamente, depois de ter informado o
Ordinário interessado, e usando, se julgar oportuno, os remédios adequados.
§3. Cuida, enfim, de que não falte uma
adequada refutação dos erros e das doutrinas perigosas, difundidos no povo
cristão.
ART. 7
Julga os delitos contra a fé e os delitos mais graves cometidos tanto contra a moral como na celebração dos Sacramentos, que lhe sejam comunicados e, se for necessário, procede a declarar ou aplicar as sanções canónicas de acordo com a norma do direito, tanto comum como próprio.
ART. 8
Sejam submetidos ao seu prévio juízo os documentos que devam ser publicados por outras Congregações da Cúria Romana, no caso de eles se referirem à doutrina acerca da fé e dos costumes.
TÍTULO II – ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO
ART. 9
A
Congregação é constituída por um Colégio de Membros (Cardeais e Bispos), tendo
como Chefe o Prefeito, que é coadjuvado pelo Secretário, e também pelo Promotor
de Justiça. Prestam serviços na Congregação diversos Oficiais que, sob a
coordenação dos respectivos Chefes de Seção, cuidam das questões relativas à
própria competência e às várias exigências da mesma.
ART. 10
A Congregação compreende duas Secções, Doutrinal e Disciplinar, cada uma coordenada por um Secretário que coadjuva o Prefeito no âmbito específico da sua competência.
ART. 11
A Secção
Doutrinal ocupa-se de matérias relacionadas com a promoção e a salvaguarda da
doutrina da fé e da moral. Além disso, ela favorece os estudos destinados a
aumentar a compreensão e a transmissão da fé ao serviço da evangelização, a fim
de que a sua luz seja critério para compreender o significado da existência,
sobretudo diante das interrogações apresentadas pelo progresso das ciências e
pelo desenvolvimento da sociedade.
ART. 12
No que diz
respeito à fé e aos costumes, a Secção predispõe o exame dos documentos que
devem ser publicados por outras Congregações da Cúria Romana, assim como de
escritos e opiniões que parecem problemáticos para a reta fé, favorecendo o
diálogo com os seus autores e propondo os remédios idóneos.
ART. 13
A Secção
Disciplinar ocupa-se dos delitos reservados à Congregação e por ela tratados
mediante a jurisdição do Supremo Tribunal Apostólico nela instituído. Ela tem a
tarefa de predispor e elaborar os procedimentos previstos pelas normas
canónicas, para que a Congregação, nas suas várias instâncias, possa promover
uma correta administração da justiça.
ART. 14
Junto da
Congregação para a Doutrina da Fé são constituídas também a Pontifícia
Comissão Bíblica e
a Comissão
Teológica Internacional, as
quais, sob a presidência do Prefeito, operam segundo as normas próprias.
TÍTULO III – NORMAS SUBSTÂNCIAIS
ART. 15
A Congregação para a Doutrina da Fé, conforme o art. 37
da Constituição Apostólica Apparatus Christi julga os delitos contra a fé, como também os delitos
mais graves cometidos contra os costumes ou na celebração dos sacramentos e, se
for o caso, procede a declarar ou a impor as sanções canônicas nos termos do
direito, quer comum quer próprio, salva a competência da Penitenciaria
Apostólica.
ART. 16
Nos delitos a que se refere, a Congregação para a
Doutrina da Fé, com prévio mandato do Romano Pontífice, tem o direito de julgar
os Padres Cardeais, os Patriarcas, os Legados da Sé Apostólica, os Bispos,
assim como as outras pessoas físicas a que se referem do Código de Direito
Canônico (= CDC).
ART. 17
A Congregação para a Doutrina da Fé julga os delitos
reservados que constam no §1 nos termos dos artigos seguintes.
§1. Os delitos contra a fé, a que se refere o art. 1, são a heresia, a
apostasia e o cisma, nos termos do cân. 1 Cap. XVI do CDC.
§2. Nos casos a que se refere o §1, nos termos do direito, compete ao
Ordinário ou Hierarca realizar o processo judicial em primeira instância ou
extrajudicial por decreto, salvo o direito de apelação ou de recurso à
Congregação para a Doutrina da Fé.
§3. Nos casos a que se refere o §1, compete ao Ordinário ou Hierarca
remitir em foro externo respectivamente a excomunhão latae sententiae ou
a excomunhão maior.
ART. 19
§1. Os delitos mais graves contra a santidade do augustíssimo Sacrifício
e sacramento da Eucaristia reservados ao juízo da Congregação para a Doutrina
da Fé são:
1°. A subtração ou a conservação para fins sacrílegos, ou a profanação
das espécies consagradas;
2°. A concelebração do Sacrifício eucarístico proibida juntamente com os
ministros das comunidades eclesiais que não têm a sucessão apostólica e não
reconhecem a dignidade sacramental da ordenação sacerdotal.
§ 2. Está reservado à Congregação para a Doutrina da Fé também o delito
que consiste na consagração para fim sacrílego de uma só matéria ou de ambas,
na celebração eucarística ou fora dela.
ART. 20
À Congregação para a Doutrina da Fé é reservado também o delito mais
grave de tentada ordenação sacra de uma mulher:
1°. Se aquele que tenta conferir a ordem sacra e/ou a mulher que tenta a
recepção da ordem sacra são fiéis sujeitos ao CDC, incorrem em excomunhão latae
sententiae, cuja remissão é reservada à Sé Apostólica;
ART. 21
Aquele que comete os delitos mencionados nos artigos 17-20 seja punido –
mesmo além de quanto previsto para cada delito no CDC, bem como nas presentes
Normas, se for o caso – com justa pena, segundo a gravidade do crime; ser
for clérigo, pode ser punido também com a demissão ou a deposição do estado
clerical.
ART. 22
§1. A Congregação para a Doutrina da Fé tem o direito de derrogar à
prescrição para todos os casos particulares de delitos reservados, mesmo que se
trate de delitos cometidos antes da entrada em vigor das presentes Normas.
TÍTULO IV – NORMAS PROCESSUAIS
ART. 23
§1. A Congregação para a Doutrina da Fé é o Supremo Tribunal Apostólico tem
o direito para julgar os delitos definidos nos artigos precedentes.
§2. Este Supremo Tribunal, somente se unidos aos delitos a ele
reservados, julga também os outros delitos, dos quais o réu é acusado, em razão
da conexão da pessoa e da cumplicidade.
§3. Os delitos reservados a este Supremo Tribunal são tratados em
processo judicial.
§4. Os pronunciamentos deste Supremo Tribunal, emitidos nos limites da
própria competência, não estão sujeitos à aprovação do Sumo Pontífice.
ART. 24
§1. Todas as vezes que o Ordinário ou o Hierarca recebe a notícia,
pelo menos verossímil, de um delito mais grave, depois de ter realizado a
investigação prévia, comunique-a à Congregação para a Doutrina da Fé, a qual,
se não avoca para si a causa por circunstâncias particulares, ordena ao
Ordinário ou ao Hierarca que proceda ulteriormente.
§2. É de competência do Ordinário ou do Hierarca, desde o início da
investigação prévia, ou proibir-lhe a residência em
determinado lugar ou território, ou proibir-lhe a participação pública na
santíssima Eucaristia; tudo isto deve ser revogado, se cessar a causa que o
motivou, e pelo próprio direito caduca, com a cessação do processo penal.
§3. Se o caso for encaminhado diretamente à Congregação, sem fazer a
investigação prévia, os preliminares do processo, que por direito comum
competem ao Ordinário ou ao Hierarca, podem ser feitos pela mesma Congregação,
a qual os realiza diretamente ou por meio de um Delegado.
ART. 25
A Congregação para a Doutrina da Fé, nas causas relativas aos delitos a
ela reservados, pode sanar os autos, salvaguardando o direito de defesa, se
foram violadas leis meramente processuais.
TÍTULO V – PROCESSO JUDICIAL
ART. 26
§1. Os juízes deste Supremo Tribunal são, pelo mesmo direito, os Membros
da Congregação para a Doutrina da Fé.
§2. Preside o Tribunal, como primeiro entre iguais, o Prefeito da
Congregação e, em caso de vacância ou de impedimento do Prefeito, desempenha o
cargo o Secretário da Congregação.
§3. Compete ao Prefeito da Congregação nomear também outros juízes.
ART. 27
Em todos os Tribunais, para as causas referidas nas presentes Normas,
podem desempenhar validamente a função de:
1°. Juiz e Promotor de Justiça, somente sacerdotes, de bons costumes,
particularmente distintos por prudência e experiência jurídica;
2°. Notário e Chanceler, somente sacerdotes de íntegra reputação e além
de qualquer suspeita;
3°. Advogado e Procurador, fiéis providos de boa reputação, que sejam
admitidos pelo Presidente do Colégio.
ART. 28
A Congregação para a Doutrina da Fé, em casos particulares, pode
conceder a dispensa do requisito do sacerdócio.
ART. 29
§1. Terminada como for a instância em outro Tribunal, todos os autos da
causa sejam transmitidos ex officio quanto antes à Congregação
para a Doutrina da Fé.
§2. Podem propor apelação, dentro do prazo perentório de dez dias úteis
desde a publicação da sentença de primeira instância, o acusado e o Promotor de
Justiça do Supremo Tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé.
§3. A apelação deve ser proposta diante do Supremo Tribunal da
Congregação, o qual, salvo em caso de ter conferido o relativo encargo a um
diverso Tribunal, julga em segunda instância as causas definidas em primeira
instância pelos outros Tribunais ou pelo mesmo Supremo Tribunal Apostólico em
outra composição colegial.
§4. Não se admite apelação diante do Supremo Tribunal da Congregação
contra a sentença, se esta for relativa unicamente aos outros delitos já
mencionados.
ART. 30
Se, em grau de apelação, o Promotor de Justiça apresenta uma acusação
especificamente diversa, este Supremo Tribunal pode admiti-la e julgá-la como
se fosse em primeira instância.
TÍTULO VI – DISPOSIÇÕES SOBRE OS PROCESSO
JUDICIAL
ART. 31
É direito da Congregação para a Doutrina da Fé, em qualquer estado e
grau do procedimento, remeter diretamente à decisão do Sumo Pontífice, em
mérito à demissão ou à deposição do estado clerical, os casos de particular
gravidade mencionados nos artigos 17-20, quando consta manifestamente que o
delito foi cometido e depois que tenha sido dada ao réu a faculdade de se
defender.
ART. 32
É direito do acusado, em qualquer momento, apresentar ao Sumo Pontífice,
através da Congregação para a Doutrina da Fé, o pedido de dispensa de todas as
obrigações derivantes da sagrada ordenação, e, se for o caso, também dos votos
religiosos.
ART. 33
§1. Qualquer pessoa que viole o segredo ou, por dolo ou negligência
grave, provoque outro dano ao acusado ou às testemunhas ou a quem esteja
envolvido por diversos motivos na causa penal, por instância da parte lesada ou
também ex officio seja punido com penas adequadas.
ART. 34
Nestas causas, juntamente com quanto determinado pelas presentes Normas,
devem-se aplicar também os cânones sobre os delitos e as penas e sobre o
processo penal de ambos os Códigos.
TÍTULO VII – DISPOSIÇÕES FINAIS
ART. 35
O regulamento interno da Congregação será tornado público com Instrução
própria.
ART. 36
Sejam estas normas cumpridas a partir do momento de sua publicação, bem
como os processos e penas já existentes.
ART. 37
A reforma deste regime deve ser aprovada pelo Conselho da Congregação
para a Doutrina da Fé, com prévia aceitação do Romano Pontífice, se observando
as normas a serem acrescentadas, alteradas ou extintas.
Por fim, o que foi decretado por nós com esta Carta dada,
ordenamos que seja estável e ratificado sem prejuízo de qualquer coisa em
contrário.
Dado e Passado em Roma, no Palácio do Santo Ofício sede da Congregação para a Doutrina da Fé, aos dezesseis dias do mês de Janeiro de dois mil e vinte e três do Ano da Graça do Senhor, II Semana do Tempo Comum.